Publicação no Jornal Leopoldinense em Julho de 2004
Nestes 17 anos lecionando Artes
no Cefet, venho convivendo com adolescentes de Leopoldina e cidades da região
através de uma proposta de trabalho em que o fazer artístico está aliado ao
resgate da criatividade. O contato bem próximo com estes jovens, através de uma
relação dialógica, fez com que, de imediato, eu percebesse uma série de dificuldades de relacionamento,
sendo as mais comuns: timidez, medo de se expor e assumir sua própria identidade,
o que compromete a construção de sua trajetória de vida pessoal e profissional,
bem como, qualquer fazer artístico.
A partir deste texto, pretendo
dividir com os leitores, minhas preocupações e reflexões, frutos de meu olhar e
minha escuta frente a estes jovens e todo o processo educativo em que eles
estão inseridos.
A cada ano, percebo que estes
jovens, em suas trajetórias
educacionais, vêm sofrendo um processo de desintegração e alienação de
si mesmos, fruto de uma cultura histórica que separou corpo, mente e espírito.
Ainda hoje, encontramos escolas que têm uma forte tendência a intelectualização
e à assimilação de conteúdos, apesar da nova LDB anunciar a importância da
formação global do indivíduo.
Entre estes jovens, percebe-se
que o ato de pensar está dificultado. Quem pensa, quem tem coragem de criar, se
expressar e ser ele mesmo, se sente excluído. Nesses tempos em que muito se
fala de inclusão, preocupo-me com estes excluídos, os futuros cidadãos, que são
alvos constantes de pressões e deboches porque não possuem o comportamento
padrão da maioria, os consumistas. Esta maioria vive hoje deslocada do cidadão
pois, quanto menos pensa, mais comprará ou aceitará o que é anunciado,
oferecido ou informado, sem crítica ou reflexão, fazendo automático, rotineiro
e banal o seu dia a dia. Passam pela vida muitas vezes sem construir,
transformar ou mudar a realidade à sua volta.
Vemos nossos jovens
constantemente em ‘contato‘ com a TV, vídeo game, celular ou computador. Sabem
lidar muito bem com toda essa tecnologia, acessam centenas de informações numa velocidade nunca vista em gerações
passadas. Mas, em que essas
informações estão contribuindo para o
crescimento desses jovens? Estarão eles sabendo usar toda essa informação para
a construção de uma vida melhor e mais justa?
Esta realidade, cheia de apelos
exibicionistas, que anulam a individualidade em favor da massificação, nem
sempre favorece o contato mais profundo e consistente consigo mesmo, tão
importante para a construção de sua identidade e realização de seu projeto de
vida.
Nesta perspectiva, encontramos
de um lado adolescentes desatentos, desinteressados, acomodados, que perderam o
prazer de aprender e de perguntar, com a sua inteligência aprisionada e sua
criatividade bloqueada, como afirma a psicopedagoga Alicia Fernández¹. Por outro
lado, de um modo geral, encontramos educadores (escola, pais, sociedade, mídia,
etc.) que não consideram os educandos
como autores de sua própria história, que não os auxiliam a ser cidadãos
participativos, empreendedores, capazes
de interferir no meio em que vivem. Seres humanos (educadores e
educandos) que muitas vezes não se dão
conta que estão tentando sobreviver numa sociedade enferma e causadora de
enfermidades. Estão preocupados em ter, movidos por desejos nunca
satisfeitos, a partir de escolhas, na maioria das vezes, inconscientes, sem dar
importância ao ser, ao conviver e ao relacionar-se de maneira harmoniosa com o meio em que vivem.
A esperança fica na reeducação
destes homens, tanto daqueles que têm a oportunidade de educar como daqueles
que buscam aprender, tornando-os
sujeitos de sua própria história, capazes de questionar e romper com os limites apertados que o
aprisionam. Deixando sua neutralidade, comodismo e optando por uma causa, um
projeto de vida em que ele possa se realizar plenamente como ser humano,
contribuindo desta forma com a melhoria da qualidade de vida de si mesmo e dos
que estão a sua volta.
Esta educação, transformadora e libertadora,
segundo Paulo Freire², não pode apenas ter em vista o crescimento profissional.
Precisa ser transformação social e de si mesmo, um momento em que o aprender e
mudar a sociedade precisam caminhar juntos, buscando novos caminhos e direções
para construir uma sociedade mais justa e uma vida melhor e mais feliz.
¹ A obra de Alícia Fernandéz está expressa nos livros A Inteligência Aprisionada (1987), A Mulher escondida na professora (1991), O Saber em jogo (2001), Idiomas do Aprendente (2001) e Psicopedagogia em Psicodrama (2001).
Para conhecer mais sobre a obra de Alicia, acesse o link abaixo, que oferece a leitura online de alguns livros:
http://www.kilibro.com/books/9788536310077/os-idiomas-do-aprendente
http://www.kilibro.com/books/9788536316642/o-saber-em-jogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário