terça-feira, 25 de junho de 2013

CONSUMISTAS OU CIDADÃOS, O QUE SOMOS AFINAL? Renata Arantes

Publicação no Jornal Leopoldinense em Julho de 2004
          Nestes 17 anos lecionando Artes no Cefet, venho convivendo com adolescentes de Leopoldina e cidades da região através de uma proposta de trabalho em que o fazer artístico está aliado ao resgate da criatividade. O contato bem próximo com estes jovens, através de uma relação dialógica, fez com que, de imediato, eu percebesse  uma série de dificuldades de relacionamento, sendo as mais comuns: timidez, medo de se expor e assumir sua própria identidade, o que compromete a construção de sua trajetória de vida pessoal e profissional, bem como, qualquer fazer artístico.

A partir deste texto, pretendo dividir com os leitores, minhas preocupações e reflexões, frutos de meu olhar e minha escuta frente a estes jovens e todo o processo educativo em que eles estão inseridos.
A cada ano, percebo que estes jovens, em suas trajetórias  educacionais, vêm sofrendo um processo de desintegração e alienação de si mesmos, fruto de uma cultura histórica que separou corpo, mente e espírito. Ainda hoje, encontramos escolas que têm uma forte tendência a intelectualização e à assimilação de conteúdos, apesar da nova LDB anunciar a importância da formação global  do indivíduo.
Entre estes jovens, percebe-se que o ato de pensar está dificultado. Quem pensa, quem tem coragem de criar, se expressar e ser ele mesmo, se sente excluído. Nesses tempos em que muito se fala de inclusão, preocupo-me com estes excluídos, os futuros cidadãos, que são alvos constantes de pressões e deboches porque não possuem o comportamento padrão da maioria, os consumistas. Esta maioria vive hoje deslocada do cidadão pois, quanto menos pensa, mais comprará ou aceitará o que é anunciado, oferecido ou informado, sem crítica ou reflexão, fazendo automático, rotineiro e banal o seu dia a dia. Passam pela vida muitas vezes sem construir, transformar ou mudar a realidade à sua volta.
Vemos nossos jovens constantemente em ‘contato‘ com a TV, vídeo game, celular ou computador. Sabem lidar muito bem com toda essa tecnologia, acessam centenas de informações  numa velocidade nunca vista em gerações passadas. Mas, em que  essas informações  estão contribuindo para o crescimento desses jovens? Estarão eles sabendo usar toda essa informação para a construção de uma vida melhor e mais justa?
Esta realidade, cheia de apelos exibicionistas, que anulam a individualidade em favor da massificação, nem sempre favorece o contato mais profundo e consistente consigo mesmo, tão importante para a construção de sua identidade e realização de seu projeto de vida.
Nesta perspectiva, encontramos de um lado adolescentes desatentos, desinteressados, acomodados, que perderam o prazer de aprender e de perguntar, com a sua inteligência aprisionada e sua criatividade bloqueada, como afirma a psicopedagoga Alicia Fernández¹. Por outro lado, de um modo geral, encontramos educadores (escola, pais, sociedade, mídia, etc.) que não consideram os educandos  como autores de sua própria história, que não os auxiliam a ser cidadãos participativos, empreendedores, capazes  de interferir no meio em que vivem. Seres humanos (educadores e educandos)  que muitas vezes não se dão conta que estão tentando sobreviver numa sociedade enferma e causadora de enfermidades. Estão preocupados em ter, movidos por desejos nunca satisfeitos, a partir de escolhas, na maioria das vezes, inconscientes, sem dar importância ao ser, ao conviver e ao relacionar-se de  maneira harmoniosa com o meio em que vivem.
A esperança fica na reeducação destes homens, tanto daqueles que têm a oportunidade de educar como daqueles que buscam aprender, tornando-os  sujeitos de sua própria história, capazes de questionar  e romper com os limites apertados que o aprisionam. Deixando sua neutralidade, comodismo e optando por uma causa, um projeto de vida em que ele possa se realizar plenamente como ser humano, contribuindo desta forma com a melhoria da qualidade de vida de si mesmo e dos que estão a sua volta.

Esta  educação, transformadora e libertadora, segundo Paulo Freire², não pode apenas ter em vista o crescimento profissional. Precisa ser transformação social e de si mesmo, um momento em que o aprender e mudar a sociedade precisam caminhar juntos, buscando novos caminhos e direções para construir uma sociedade mais justa e uma vida melhor e mais feliz.

¹ A obra de Alícia Fernandéz está expressa nos livros A Inteligência Aprisionada (1987), A Mulher escondida na professora (1991), O Saber em jogo (2001), Idiomas do Aprendente (2001) e Psicopedagogia em Psicodrama (2001).
Para conhecer mais sobre a obra de Alicia, acesse o link abaixo, que oferece a leitura online de alguns livros:      
http://www.kilibro.com/books/9788536310077/os-idiomas-do-aprendente
http://www.kilibro.com/books/9788536316642/o-saber-em-jogo

² O modelo de educação proposto por Paulo Freire se diferencia da educação tradicional, pois abomina dentre outras coisas a dependência dominadora, que inclui dentre outras a relação de dominação do educador sobre o educando.Na ação educativa libertadora, existe uma relação de troca horizontal entre educador e educando exigindo-se nesta troca, atitude de transformação da realidade conhecida. É por isso, que a educação libertadora é acima de tudo uma educação conscientizadora, na medida em que além de conhecer a realidade, busca transformá-la, ou seja, tanto o educador quanto o educando aprofundam seus conhecimentos em torno do mesmo objeto cognoscível para poder intervir sobre ele.

Sugestão : Faça o download gratuito das obras de Paulo Freire através do site:

http://bibliotecauergs.blogspot.com.br/2011/05/livros-de-paulo-freire-disponiveis-para.html

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